PE. JUNIOR VASCONCELOS AMARAL
Vigário Paroquial – Professor da Sagrada Escritura na PUC Minas.
O Pentateuco, também conhecido como Torá judaica (“Lei”, “instrução”, “ensino de mãe”), pode ser considerado o coração das Escrituras Sagradas. Toda Escritura tem como inspiração a “Lei de Deus” para Moisés e seu povo, juntamente a toda tradição que compõe o Pentateuco, a saber: a tradição da Criação (o Gênesis), seguida da tradição dos Patriarcas e Matriarcas do Povo (Abraão e Sara, Isaac … e Jacó), em seguida a tradição do Êxodo, a ida para o Egito e a volta do Egito para Canaã, período conhecido como Exílio ou cativeiro, que perdurou cerca de 430 anos, seguido da busca incessante pela terra, quarenta anos peregrinando pelo deserto.
Em seguida, temos uma tradição extensa de Leis, a tradição legislativa, que compõe o Levítico e o livro dos Números e, por fim, a tradição da releitura das Leis dadas a Moisés e ao povo, também conhecida como Deuteronômio, que traduzindo do grego pode ser chamada de “Segundas leis”, uma tradição posterior e mais recente que releu a tradição do livro do Êxodo, esta tradição do Dt está situada no século VI a. C.
O Pentateuco foi atribuído, em sua autoria, a Moisés. Contudo, sabe-se hoje, depois de toda busca mais profunda pela história por trás do texto bíblico, que o Pentateuco ou a Torá tem como autor o próprio Deus, que inspirou muitos homens e mulheres (escribas e amanuenses, ou também hagiógrafos) para que estes narrassem a história do povo de Deus em linguagem humana, cheia de imperfeições, contudo, de modo global está Escritura é inspirada e por isso infalível, sem erros.
Originalmente, a Torá tem com língua oficial o hebraico, mas no século III a. C. setenta e dois sábios a traduziram para o grego, dando a este texto o nome de Septuaginta, ou a Bíblia LXX (70), que é composta também pela tradição dos profetas (Nebiin) e dos Escritos sapienciais (Ketubim). Estes três conjuntos formam a Bíblia hebraico a TaNaK. A versão grega LXX serviu para os judeus que viviam na Diáspora, “fora da Palestina”, sobretudo em Alexandria no Egito, isto é, na grande dispersão a partir do século IV a. C., dispersão provocada depois do Exílio na Babilônia.
O Pentateuco ou Torá tem este nome, pois é uma composição de cinco importantes livros, já supracitados, mas que na sequência são: Gênesis (Gn), Êxodo (Ex), Levítico (Lv), Números (Nm) e Deuteronômio (Dt). Estes mesmos livros com nomes gregos, como conhecemos, têm seus respectivos nomes ou títulos em hebraico e são eles: Bereshit (Gn), Shemot (Ex), Waykrá (Lv), Bamidbar (Nm), Devarim (Dt).
Podemos, grosso modo, perceber, segundo estudiosos renomados do Pentateuco, três formas de literatura ao longo desta grande obra antiga. A primeira, a pré-história mítica, que compõe os primeiros onze capítulos do Gn, que narram a criação do mundo e do ser humano (Gn 1-2,4a e Gn 2,4b- 3), em seguida narra-se a queda, o pecado original, em seguida o pacto, ou aliança com Noé e toda história de uma nova Criação, com o dilúvio. Estas histórias consideradas míticas dizem de uma história universal em sentido muito particular de um povo que vivia na Palestina e que teve contato com outras culturas que também narravam suas origens. Estes mitos arquétipos valem “para todas as pessoas e não só para uma em particular”. Deus cria o ser humano (Adam), que tem sua descendência incontável como as estrelas do céu e os grãos de areia do mar. A segunda literatura presente no Pentateuco é a história dos antepassados, ou dos Patriarcas, a partir de Gn 12 até o fim do livro de Gn com a morte de Jacó a benção a seus doze filhos. Estes capítulos narram a saga (história de luta e vitória, seguida de tragédias) de muitas pessoas, homens e mulheres, que viveram suas histórias e que experimentaram a ação amorosa de Deus.
A terceira tradição literária presente no Pentateuco é a do Êxodo e das Leis. O Êxodo é a saída do Egito liderada por Moisés, aquele que foi retirado das águas. Moisés motiva o povo para uma libertação surpreendente que perdurava 430 anos mais ou menos. Deus liberta seu povo e o convoca para que depois de livre possa ouvir suas leis na região do Monte Sinai. Lá Deus entrega a Moisés duas tábuas com 10 mandamentos, que motivam a uma relação com ele e com o semelhante, o próximo.
Do ponto de vista teológico e bíblico, o Pentateuco é de suma importância para a compreensão do sentido das Escrituras, em sua totalidade. Se no início deste texto o comparamos ao coração, significa que ele é a válvula pulsante da qual emana a graça de Deus que percorre todos os outros textos até chegar ao Novo Testamento. Esta graça anunciada no Pentateuco, a Lei de Deus, pode ser comparada a Jesus, que, para nós cristãos, pode ser comparado ao novo Pentateuco, à nova Torá, a nova Lei que dá sentido a toda lei e a leva à perfeição.
No próximo mês (março) vamos tratar sobre o sentido dos 10 mandamentos (o Decálogo) para o livro do Êxodo e para o Deuteronômio cap. 5 que o repete “ipsis litteri”, isto é, literalmente. Veremos o sentido da Lei para o povo de Deus e para nós nos dias de hoje.